Em sessão realizada nesta terça-feira (24), sob a relatoria do conselheiro Carlos Neves, a Primeira Câmara julgou regular, com ressalvas, com aplicação de multa, o processo de auditoria especial realizada na Secretaria de Saúde do Recife (Sesau), relativa ao exercício de 2020, que teve como objetivo avaliar, de acordo com a legislação aplicável, a regularidade da aquisição de 150 botas pneumáticas, utilizadas nos hospitais de tratamento de Covid-19 no Recife. O equipamento serve para prevenção mecânica da trombose venosa profunda para pacientes acamados, ou com mobilidade reduzida, em razão da doença.
Na dispensa nº 131/2020, a Sesau procedeu à compra das botas pneumáticas, através da empresa Cirúrgica São Felipe Produtos para Saúde EIRELI, com valor unitário de R$ 10.250,00, totalizando R$ 1.537.500,00. Em sua peça técnica foram reproduzidas consultas realizadas pela auditoria ao Portal SOFIN, em 29/07/2020 e no Portal da Transparência da Prefeitura do Recife, em 11/08/2020, nas quais verificou-se que a despesa foi empenhada, liquidada e paga em sua totalidade.
O relatório da equipe técnica do TCE apontou alguns indícios de irregularidades na contratação da empresa, no diz que respeito a falhas no processamento da Dispensa de Licitação, com a ausência de justificativa técnica para a contratação do objeto e a quantidade contratada; falhas na autuação do processo, onde a auditoria indica que o processo de dispensa não obedece a uma sequência ordenada de atos, descumprindo a ordem lógica estabelecida pela Lei nº 8.666 /1993; além de falhas no procedimento de execução da despesa.
Notificados, os interessados Jailson de Barros Correia, então Secretário Municipal de Saúde, Mariah Simões da Mota Loureiro, então Gerente de Monitoramento de Infraestrutura e Felipe Soares Bitencourt, então membro do Comitê de Compras e Contratações Especiais, apresentaram defesa.
Eles destacaram o contexto excepcional da pandemia no mundo e, em particular, detalharam o plano de enfrentamento à Covid-19 no âmbito da Administração Municipal do Recife, com o objetivo de circunstanciar a urgência em que foram realizadas as contratações iniciais. Para isso, trouxeram nos autos informações relativas à sobrecarga de trabalho e à estruturação das atividades voltadas ao atendimento das demandas urgentes. Também foi destacada a ausência de prejuízos ao erário e de vícios intransponíveis.
ll VOTO ll
Antes de iniciar seu voto, o relator destacou a excepcionalidade do momento de pandemia que fez com que os gestores tivessem como base sistemas normativos provisórios. Sobre a aplicação destes sistemas, o conselheiro Carlos Neves cita o professor de Direito Administrativo, Jorge Ulisses Jacoby, que diz: “as normas desse sistema devem ser interpretadas em coerência com esse próprio sistema. Constitui erro primário e grave, interpretar as normas do sistema provisório, usando os princípios, fundamentos e normas do sistema anterior, vigente antes das mudanças".
No entanto, mesmo ressaltando a singularidade do momento, o relator apontou a presença de falha na distribuição das botas pneumáticas, o que demonstrou a deficiência de comunicação e controle entre a Sesau e as unidades de saúde municipais que atuam no tratamento da Covid.
“De fato, uma vez demandada a compra emergencial das botas pneumáticas pela gerência de manutenção de rede, a Sesau deveria ter noticiado a disponibilidade do bem e a necessidade de sua utilização no enfrentamento da doença, além de ter procedido ao acompanhamento do efetivo aparelhamento dos hospitais com referido equipamento”, ressalta.
Por estas falhas, foi aplicada uma multa no valor de R$ 9.099,00 ao então Secretário Municipal de Saúde, Jailson De Barros Correia.
Todavia, o relator destacou que as políticas públicas adotadas pela administração, mormente em situação de emergência, devem ser objeto de acompanhamento do gestor público, e no caso em questão, depreende-se das justificativas para a aquisição examinada nestes autos, que as botas pneumáticas integraram a estratégia de tratamento dos pacientes acometidos por Covid-19, não se vislumbrando grave lesividade.
Ainda no voto, Carlos Neves apontou que a legislação provisória não exige que os processos das aquisições emergenciais sejam instruídos com estudos e/ou justificativas acerca da estimativa do quantitativo dos bens contratados e que as etapas do procedimento de contratação restaram cumpridas e evidenciadas nos respectivos autos; sendo a alteração na sequência lógica de autuação do processo de contratação não representou ilegalidade nem se revelou, no presente caso, hábil a macular a respectiva ratificação.
ll DETERMINAÇÕES ll
O voto traz ainda algumas determinações, com ênfase para que se estabeleça protocolo de comunicação às unidades de saúde acerca da disponibilidade e da necessidade de utilização de produtos e equipamentos definidos como estratégicos no tratamento da Covid19, mantendo efetivo controle sobre a tempestiva distribuição e uso de tais bens, e também no que diz respeito à melhoria na instrução dos processos de contratação.
O voto foi aprovado por unanimidade pelos demais conselheiros da Primeira Câmara. Representou o Ministério Público de Contas na sessão a procuradora Maria Nilda.
Confira a íntegra do voto 📑
Gerência de Jornalismo (GEJO), 24/11/2021