O Tribunal de Contas realizou nesta quinta-feira (6) uma Audiência Pública virtual para discutir o retorno das atividades escolares presenciais em Pernambuco, suspensas pelo Estado desde março (18) por conta da pandemia de Covid-19.
O evento foi transmitido ao vivo pelo canal no Youtube da Escola de Contas e contou com a participação dos secretários estaduais André Longo (Saúde) e Fred Amâncio (Educação), do educador Mozart Neves, da representante da OMS no Brasil, Maria Almirón e da pesquisadora e professora da Fiocruz, Ana Brito, além de representantes de entidades ligadas à área de educação.
O presidente Dirceu Rodolfo de Melo Júnior, que conduziu os trabalhos, explicou que o papel do TCE não se resume apenas ao controle orçamentário e da aplicação dos recursos públicos. A missão do Tribunal de Contas, segundo ele, é também assegurar a implementação de políticas públicas eficazes que garantam os direitos básicos à população, principalmente no momento em que é diretamente atingida pelos efeitos da Covid-19.
“O TCE se mostra preocupado com as consequências de um retorno antecipado das aulas e que não esteja amparado em dados científicos estruturados e em protocolos que minimizem a possibilidade de um repique da pandemia, que rebate, inclusive no orçamento público”, ressaltou o presidente.
O Secretário de Educação do Estado, Fred Amâncio, afirmou que o governo de Pernambuco vem tomando uma série de medidas para reduzir os prejuízos no ensino e para garantir a retomada das aulas presenciais, ainda sem data definida. “Estamos decidindo como será feito o acolhimento de estudantes, funcionários e professores no retorno, trabalhando questões ligadas ao planejamento para reposição das aulas, ao calendário escolar, ao conteúdo, à carga horária mínima de 800 horas ao ano exigida pelo Ministérios da Educação e à formação de professores, a manutenção do ensino híbrido presencial/online e buscando alternativas para trazer de volta à escola os alunos que abandonaram os estudos por conta das dificuldades impostas pela pandemia, uma de nossas maiores preocupações”, acrescentou Fred Amâncio.
Na sequência, o secretário André Longo apresentou um panorama da evolução da Covid no Estado e falou sobre os preparativos para o retorno das aulas.
“O afastamento da vida escolar, além de oferecer riscos irreversíveis à saúde, agravando as condições psiquiátricas; compromete a segurança alimentar; aumenta a taxa de gravidez infantil, o abuso, os maus tratos, o uso de drogas e a violência; isso sem levar em conta as pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade, com menos acesso a uma educação a distância de qualidade, acentuando as desigualdades sociais e de gênero no país”’, complementou.
Segundo o secretário, dentre as medidas para o retorno presencial seguro das escolas, o Estado está promovendo a readequação da infraestrutura das unidades estaduais de ensino, com a instalação de lavatórios e melhoria das instalações e da ventilação das salas de aula.
Além disso, deverão ser seguidas recomendações para a realização de aulas em turnos alternados, com número reduzido de alunos, o distanciamento mínimo de 1,5 metros entre as carteiras, a aferição de temperatura na entrada e a higienização constante das mãos e o uso permanente de máscaras pelos alunos e profissionais de educação. Alunos e professores do grupo de risco, ou que mantenham contato com pessoas deste grupo, serão dispensadas do comparecimento presencial, devendo adotar o modo remoto como alternativa.
EVASÃO ESCOLAR - Seguindo a programação, o educador Mozart Neves destacou como uma das principais preocupações o risco de aumento da taxa de evasão escolar por conta da pandemia. Segundo ele, a situação agrava ainda mais um problema preexistente no país. Um trabalho feito pelo economista Ricardo Paes e Barros concluiu que, atualmente, 27% dos estudantes não concluem o ensino médio em São Paulo, reduzindo em 7 bilhões a remuneração de jovens e custando cerca de R$ 17 bilhões por ano à sociedade paulista. No Brasil, o prejuízo atinge hoje cerca de 500 mil jovens.
“Será necessário uma grande mobilização do Estado, um grande desafio da comunicação, para trazer novamente estes estudantes para as salas de aula após o retorno do ensino presencial. Estudos apontam que grande parte dos jovens que abandonam as escolas acabam engrossando os números do desemprego e as taxas de suicídio juvenil do país.”, destacou o representante do Conselho Nacional de Educação (CNE).
A representante da Organização Mundial da Saúde no Brasil, Maria Almiron, mostrou a evolução da pandemia em todo o país e destacou os números de Pernambuco, que apresentam uma tendência de redução dos casos e óbitos. Segundo ela, a retomada das aulas precisa estar associada a resultados significativos em outras medidas implementadas pelo governo estadual fora do ambiente escolar como, por exemplo, os cuidados a serem tomados em transportes públicos e o comportamento nas ruas e espaços fechados.
“Deve ser considerada ainda a capacidade dos estabelecimentos de ensino em manter as medidas preventivas recomendadas pelo Estado e de acolher as crianças cujos pais trabalhem em atividades essenciais. Também deve ser avaliada a capacidade do sistema de saúde em atender a possíveis novas ondas de disseminação da doença e do Poder Público em dar suporte financeiro e social aos mais vulneráveis”, concluiu.
Por fim, a epidemiologista Ana Brito destacou a importância da iniciativa como um momento histórico proporcionado pelo Tribunal de Contas ao promover o debate e possibilitar a reflexão sobre um assunto tão polêmico e que preocupa a todos. Segundo afirmou, as iniciativas precisam deixar o campo político para abraçar o lado social e humano, priorizando a vida e a saúde da população.
Apesar da preocupação com o impacto na vida escolar dos estudantes - ressaltou a professora da Fiocruz, “ainda não há como garantir segurança ao retorno das atividades de ensino presencial em Pernambuco, que precisa de uma grande reformulação da capacidade operacional de suas escolas para atender a esta realidade”.
“Sou contrária à reabertura das escolas neste momento. Falar em um ‘novo normal’ - quando nunca vivemos ou conhecemos um ‘normal’ saudável antes do novo coronavírus aparecer - é disseminar um conceito equivocado. Justificar o retorno às escolas, quando os números da doença ainda são preocupantes, não se mostra apropriado. Alegar uma baixa transmissibilidade do vírus (2% no mundo) por parte de crianças e adolescentes também não. É preciso abandonar estatísticas genéricas para aplicá-las, sim, às realidades locais e, antes de tudo, respeitar a vida das pessoas”, defendeu Ana Brito.
Ela enfatizou ainda que antes de reabrir escolas é preciso que o índice de infecção da população pernambucana seja inferior a 5%, o que não reflete a realidade hoje, e que, no entanto, não se deve condicionar a flexibilização à liberação de uma vacina, que ainda está em fase de estudo, demanda um período de testes, e vai demorar a ser disponibilizada à população.
DEBATE - A audiência pública se estendeu pelo período da manhã e da tarde. Após um breve intervalo, o presidente Dirceu Rodolfo retomou os trabalhos com os representantes das secretarias de Educação, João Charamba, e de Saúde, Luciana Albuquerque, que responderam a perguntas da sociedade civil.
O debate contou com a participação de representantes de entidades-chaves na discussão da volta às aulas, como o Sindicato de Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe), o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de Pernambuco (Sinepe) e a União Brasileira dos Estudantes (Ubes), além de várias associações, a exemplo da Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe), representada pelo seu presidente, José Patriota.
A audiência pública virtual foi certamente um marco na história do TCE-PE. As dezenas de pessoas que participaram ativamente do debate da volta às aulas após o pico da pandemia da Covid-19 elogiaram bastante a iniciativa do presidente Dirceu Rodolfo de escutar os diversos setores da sociedade envolvidos na discussão. Uma forma segura, eficaz, democrática, plural e aberta para que se tome uma decisão tão delicada para todos.
Dirceu Rodolfo finalizou o evento após oito horas de debate intenso agradecendo a dedicação de todos os profissionais que contribuíram para o enriquecimento da conversa que definirá o futuro dos cerca de 1 milhão de alunos do ensino básico do estado e de suas famílias. “Quero agradecer e expressar o meu orgulho, felicidade e entusiasmo em ter tido a oportunidade de dialogar e feito inúmeras reflexões sobre os fatores que estão no entorno da decisão que um dia terá que ser tomada e não será fácil”, disse.
“O TCE é, antes de tudo, um instrumento de realização da cidadania e, em Pernambuco, houve coordenação, sinergia e respeito no enfrentamento à Covid-19. Conseguimos enfrentar a pandemia com os órgãos estaduais caminhando na mesma direção, servindo de farol para a população. Desta forma, podemos discutir tão abertamente sobre esse assunto. Foi um dia muito produtivo para o TCE e para as instituições que participaram. Será um momento que vou guardar para o resto da minha vida profissional.”, encerrou o presidente do Tribunal.
Confira aqui a íntegra da audiência
Gerência de Jornalismo, 07/08/2020