Confira abaixo, na íntegra, artigo do presidente do Tribunal de Contas de Pernambuco, conselheiro Valdecir Pascoal, publicado na última quarta-feira (18) na Folha de Pernambuco e hoje (20), no Blog Fausto Macedo, do Estadão.
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Esperançar é preciso!
Os últimos escândalos da República, especialmente este último que envolve a Petrobras, não nos permitemesquecer que os germes da corrupção e do patrimonialismo ainda teimamemcorroer o erário nacional. A percepção de que as ações ilícitas ainda estão bem presentes emmuitos setores da sociedade contribui, naturalmente, para gerar um sentimento de incredulidade e desconfiança do cidadão como futuro do país. De outra senda, por mais paradoxal que pareça, já diziam os sábios da antiguidade que as crises trazem imanentes as sementes das mudanças que permitirão a superação das suas mazelas e o atingimento de um ciclo de novos valores. Sem qualquer intenção de dourar a pílula sobre o atual contexto ou de querer isentar os responsáveis por esse verdadeiro assalto sistêmico aos cofres públicos, há sinais perceptíveis de que, a despeito de casos estarrecedores como esse, devemos esperançar dias melhores.
Aqueles que analisama realidade de maneira mais equilibrada e olham racionalmente para o retrovisor do passado haverão de concluir que o primeiro grande sinal de esperança é a certeza de que a sociedade está mais esclarecida em relação ao papel dos governos e aos direitos e deveres que tocam aos cidadãos. Tudo isso em razão do maior acesso à informação, favorecido pelo fenômeno das mídias sociais, pelo contexto de liberdade de imprensa e também por haver mais transparência nas contas públicas.
Além disso, mesmo diante da necessidade de aprimoramentos, é inquestionável o avanço da atuação dos órgãos públicos de controle, a exemplo do Ministério Público, da Polícia Federal, dos Tribunais de Contas e do Poder Judiciário. É forçoso reconhecer que após a grande inflexão propiciada pela redemocratização do país, essas instituições vêm dando mostras de que, mediante uma atuação integrada, técnica e harmônica - respeitando-se o papel e as competências específicas de cada uma e sem caírem nas armadilhas dos egos corporativos ou na falsa ilusão de heroísmos circunstanciais - é possível que os atos de corrupção sejam desvendados com mais efetividade, permitindo a responsabilização dos culpados e mitigando a sensação de impunidade. A propósito, é emblemática, neste último episódio, a confirmação de que a corrupção não é “privilégio” de agentes públicos, haja vista a participação ativa de segmentos poderosos da iniciativa privada na sua execução.
Todos concordamos que a educação é, de fato, a grande vacina para se combater a corrupção. A curto e médio prazos, porém, é a democracia que nos pode fornecer o melhor antídoto. Assim, uma reforma política que racionalize os processos eleitorais e diminua a influência do poder econômico nas eleições é fundamental. A rigor, a corrupção eleitoral vemsendo o estopimde quase todas as nossas crises. O atual modelo de financiamento de campanhas políticas acaba, amiúde, levando ao enriquecimento ilícito de grupos e pessoas e a contrapartidas ilegais, sob a forma de privilégios indevidos, em licitações e contratos, e de subsídios antieconômicos. Essa reforma, a mais urgente no momento, deveria se constituir na grande bandeira dos movimentos sociais e do Congresso Nacional, que deveriam investir suas energias, complementarmente, em ações voltadas ao fortalecimento dos mecanismos de transparência da gestão pública e das instituições de controle.
Para demonstrar a capacidade de renovação do capitalismo, o economista austríaco Joseph Schumpeter forjou o conceito de “Destruição Criadora”, que, guardadas as medidas, pode ser aplicado à nossa atual conjuntura. Esse fundo do poço ético - aumentado pela descontrole econômico e fiscal e pelo déficit de governança pública em todas as esferas - pode ser o grande lumiar de um novo contrato social a ser firmado entre o poder público, a iniciativa privada e a sociedade. Democracia, liberdade e instituições maduras são as principais garantias para a superação da grave crise que ora nos aflige. Culpar a democracia e disseminar o ódio à política é umerro que não temos o direito de cometer. Esperançar - a luz que emana de ações cidadãs construtivas- é preciso. Não é hora de berço esplêndido nem tampouco de arroubos ingênuos que nos levem a trilhar veredas antidemocráticas. Ao contrário, é momento de aprofundarmos a democracia e resgatarmos aquilo que se encontra lá no fundo da Caixa de Pandora.
Folha de Pernambuco, 18/03/2015